Sua pele agora fresca, fazia o vermelho que espalhou-se pelo corpo, muito mais nítido. Era fácil ver que, sua cor pálida era irreversível, não havia mais brilho.
Não soube decifrar o que ocorrera momentos antes da cena teatral, mas agora com os cabelos úmidos espalhados pelo seu peito quente, a realidade lhe batia, atordoava-lhe a alma; agulha no fogo: o ferro na pele.
Mordia os lábios e sentia o gosto interno, o sangue que ficou, do que não vivia mais.
Espalhou, diluindo o sangue, as gotas de lágrimas que acompanhadas de uma face sem-expressão, multiplicaram-se quando o silêncio foi a única música que se ouvia. Os batimentos estavam estáveis, por isso não os ouvia; não há como bombear sangue, quando o seu amor está nos seus braços, implorando-lhe calada que o seu beijo seja o veneno de salvação, que lhe traga de volta a vida - que foi tirada por você. Não há melodia mais propícia do que o silêncio, quando a realidade é areia virando vidro. Transparante e sólido.
Deixou cair sobre os olhos, agora fechados para o mundo, a sua lágrima. Sua dor, era a dor dela. Mas ela não sentia, não podia mais enxurgar suas lágrimas e dizer que tudo ia ficar bem; o crime foi cometido, ela se foi.
Encostou a cabeça no seu peito, pensando estar ouvindo o seu coração voltar a bater. É mais fácil não ter culpa quando roubamos virtudes de alguém e achar que há solução, do que pensar que tudo está perdido, assim, a dor se torna menor, menos densa, mais líquida.
Uma nuvem negra se espalhou sobre o ambiente e, o que se ouvia eram lembranças doces. Um sorriso parecia medonho agora, mas quem é que contém as lembranças quando elas vem no momento de dor? Sentiu que, seu riso era fugaz, era sombrio. Não tinha vida. Aliás, tinha, o que não tinha era motivo para viver.
Vendo o seu rosto ainda pálido, imóvel, seco e frio, teve a ância de aproximar-se e beijar o ultimo doce beijo. Limpou com a mão o percurso que o sangue havia feito na pele - do que agora parecia um anjo - deitou as mãos sobre os ombros, ensopando a camisa. Aproximou dos labios, e quanto mais chegava perto, mais vontade tinha de se juntar para a eternidade aquele corpo, pelo amor que sentia e escorria do seu rosto, pela vontade imensa de corrigir o erro, e voltar ao tempo em que o sorriso tinha motivo.
Não teve coragem de revelar o desejo que sentia beijando-lhe. Apenas disse, calmo, sussurrando:
- A morte, que sugou o mel do seu hálito, não teve poder contra sua beleza.*
Um barulho fez o eco da sala pertencer ao vazio. Agora, com o corpo junto ao seu, suas mãos entrelaçadas não podiam mais sentir.
O que ficou não foram os sentimentos, ele partiu, se afugentou na alma que agora vagava - quem sabe juntos?- o que ficou mesmo, foi o sangue que se espalhava. Foi o sangue derramado de um crime, de amor e ódio, que agora misturavam-se. Fundidos, jamais poderiam se separar, era sangue no sangue, corpo no corpo e vida na morte.
Isso já não importava mais, eles estavam, juntos.
E. C. M.
*Fala de Romeu, em "
Romeu e Julieta", pouco antes do seu suícidio.