"O papel dobrado sob a mesa revelava as inquietações do coração e da mente. Eram só pensamentos soltos; a razão querendo transcender sobre a realidade imposta pelo universo; sonhos palpáveis, mas tão distantes e voláteis...
Era só aquela velha angustia de querer saber mais: ultrapassar os vales vistos da janela, correr sem saber para onde ir e, assim sendo, chegar onde encontramos a nós mesmos; chegar ao inesperado e a inecalculável satisfação que chamamos de acaso, o que, nada mais é do que nosso, e insubstituivelmente nosso, destino.
Em um daquelas surtos que nos faz sentir o coração e toda a sua força sobre nós, bateu na mesa suas mãos, amassando o rascunho do que ainda estava por vir. Tirou o seu lenço vermelho do pescoço, sua marca pessoal, e o jogou longe.
Podia-se ouvir seus dentes chocarem um contra o outro, podia-se ver a desesperança nascendo em seus olhos, podia-se sentir o corpo quente que caia bruscamente na cadeira. E depois... depois tudo ficava calmo novamente.
Tamborilou os dedos em sua perna, respirou fundo, uma, duas, três vezes. Pegou novamente o papel e o desamassou. Com os mesmos dedos, mais calmos, desenhou uma linha, e depois outra. Foi passando a mão até formar algo que lhe parecia familiar. "Talvez não", pensou. "Isso ainda não serve".
Abriu a janela, e o jogou, deixando o vento levar o seu então, desconhecido avião de papel.
Fechou a janela. Guardou seus outros rabiscos em uma gaveta. Trancou-os e nunca mais mexeu.
Só pôde respirar as velhas e amareladas folhas, anos mais tarde - em umas dessas mudanças que toda escrivaninha passa - quando novas mãos e novas ideias as fizeram viver.
Talvez, em algum lugar, um dia, o velho do lenço vermelho soube que o mesmo vento que um dia levou o seu papel, levou também o homem às nuvens.
Acaso? Não. Deus não lança dados, mas inicia o jogo. E você o continua com seu destino."
Nenhum comentário:
Postar um comentário